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Foto do escritorDaniel Borelli

Por que temos dificuldade em encerrar certas amizades?



Encerrar uma amizade pode ser tão difícil quanto terminar um relacionamento amoroso, às vezes até mais. Muitos de nós já nos vimos presos a uma amizade que, por alguma razão, deixou de fazer sentido, mas ainda assim continuamos a manter essa conexão. Por que é tão complicado dizer adeus a alguém que, em outro momento, foi tão importante para nós? A psicanálise oferece algumas pistas sobre esse dilema emocional.

Freud acreditava que todas as nossas relações estão profundamente ligadas aos nossos desejos inconscientes e às primeiras experiências de afeto. Amizades, assim como outros tipos de laços emocionais, carregam em si uma série de expectativas, memórias e sentimentos que, muitas vezes, nem mesmo percebemos conscientemente. Quando construímos uma amizade, não estamos apenas nos conectando com outra pessoa, mas também com uma ideia que criamos sobre ela e sobre nós mesmos dentro dessa relação. Quando essa amizade começa a se deteriorar, deixar essa ideia para trás pode ser tão difícil quanto aceitar o fim da amizade em si (Freud, 1920).

Freud sugeria que nossas relações, inclusive as de amizade, estão intimamente conectadas à maneira como formamos nossa identidade. Nossos amigos, em certo sentido, funcionam como espelhos que refletem aspectos de quem somos e de quem gostaríamos de ser. Assim, ao encerrar uma amizade, não estamos apenas nos despedindo do outro, mas também de uma parte de nós mesmos que esteve presente naquela relação. Esse processo pode ser doloroso, pois sentimos que estamos perdendo mais do que o outro: estamos perdendo uma versão de nós mesmos que só existia naquela amizade (Freud, 1914).

Outro motivo que pode dificultar o fim de uma amizade está relacionado ao medo do vazio emocional. Amizades, mesmo quando já não são tão saudáveis ou satisfatórias, oferecem um senso de continuidade e pertencimento. A ideia de encerrar uma amizade pode despertar o medo de ficar só, de não ter mais aquele apoio, mesmo que ele seja apenas simbólico. Freud acreditava que temos uma tendência a nos apegar ao que é familiar, mesmo quando isso não nos faz mais bem, porque o desconhecido — o que virá depois do término da amizade — pode ser assustador e incerto (Freud, 1926).

Além disso, algumas amizades se tornam parte da nossa narrativa de vida, uma espécie de vínculo emocional que nos mantém conectados ao passado. Esses laços podem se enraizar profundamente em experiências compartilhadas, em momentos importantes que moldaram quem somos. Romper com essa história compartilhada pode nos fazer sentir que estamos rejeitando ou negando essas partes da nossa vida. A psicanálise sugere que, ao mantermos essas amizades, mesmo que já não façam mais sentido, estamos, de alguma maneira, tentando manter viva uma parte do nosso passado que nos deu conforto e segurança (Freud, 1930).

Então, por que é tão difícil encerrar certas amizades? Porque essas relações não são apenas sobre o outro, mas também sobre nós mesmos, sobre as versões de quem somos que emergem nessas interações, e sobre o medo do que será quando a amizade acabar. A psicanálise nos ensina que, ao lidar com o fim de uma amizade, estamos também enfrentando a necessidade de transformação, de crescimento e, acima de tudo, de aceitar que algumas conexões cumprem seu papel e precisam ser deixadas para trás.

Aprender a encerrar amizades com consciência e respeito não é apenas uma questão de cortar laços, mas de aceitar que a vida é feita de ciclos. Assim como novas amizades surgem, outras precisam ser encerradas para que possamos seguir em frente, emocionalmente mais leves e prontos para novas conexões e experiências.


Referências


  • Freud, S. (1920). Beyond the Pleasure Principle. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.

  • Freud, S. (1914). On Narcissism: An Introduction. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.

  • Freud, S. (1926). Inhibitions, Symptoms and Anxiety. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.

  • Freud, S. (1930). Civilization and Its Discontents. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.

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