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Foto do escritorDaniel Borelli

Por Que Temos a Tendência de Criar Versões Idealizadas de Nós Mesmos nas Redes Sociais?



Nas redes sociais, somos os diretores, roteiristas e protagonistas de nossa própria narrativa. Escolhemos as melhores fotos, os momentos mais felizes e as palavras mais cuidadosamente calculadas para compartilhar com o mundo. Essa tendência de criar versões idealizadas de nós mesmos parece universal, mas por que fazemos isso? Sob a ótica da psicanálise, essa necessidade de moldar uma “versão perfeita” de quem somos está profundamente ligada a questões emocionais e inconscientes.

Sigmund Freud acreditava que, desde cedo, somos confrontados com um conflito básico: o desejo de sermos aceitos e admirados versus o medo de sermos rejeitados. Nas redes sociais, esse conflito é amplificado, porque estamos constantemente expostos ao olhar dos outros. Cada curtida, comentário ou compartilhamento serve como uma espécie de validação que alimenta nosso ego e nos faz sentir valorizados. Construir uma versão idealizada de nós mesmos é, portanto, uma forma de proteger nosso ego da possibilidade de crítica ou rejeição (Freud, 1920).

A ideia de projetar uma versão melhorada de quem somos também está relacionada ao conceito de ideal do eu, um termo usado por Freud para descrever a imagem que construímos de como gostaríamos de ser. Essa imagem idealizada é um reflexo das expectativas que temos sobre nós mesmos, mas também das que acreditamos que os outros têm. Nas redes sociais, esse ideal do eu é meticulosamente projetado: escolhemos o que mostrar e, mais importante, o que esconder. Assim, o feed se torna um palco onde apresentamos não quem somos, mas quem desejamos ser (Freud, 1914).

Outra perspectiva interessante é a de Jacques Lacan, que propôs que o ser humano está constantemente tentando preencher um vazio interno, algo que ele chamou de "falta". Nas redes sociais, a construção de uma versão idealizada de nós mesmos pode ser uma tentativa de lidar com essa "falta", criando uma narrativa onde parecemos completos, felizes e realizados. Cada post que fazemos é, em certo sentido, uma maneira de buscar reconhecimento externo, que por sua vez nos ajuda a lidar com nossas inseguranças internas (Lacan, 1973).

Melanie Klein, por sua vez, oferece uma visão sobre como essa idealização pode ser uma maneira de lidar com sentimentos de inadequação ou imperfeição. Desde a infância, desenvolvemos mecanismos para lidar com as frustrações e inseguranças. Nas redes sociais, a criação de uma versão idealizada de nós mesmos pode funcionar como um “objeto de reparação”, algo que construímos para tentar equilibrar sentimentos internos de dúvida ou insuficiência. Publicamos o sorriso perfeito, a foto com o filtro ideal, porque essas imagens nos ajudam a criar uma narrativa onde nos sentimos “melhores” ou mais aceitáveis (Klein, 1946).

No entanto, essa busca pela perfeição nas redes sociais tem um custo. Ao criar versões idealizadas de nós mesmos, muitas vezes nos desconectamos da nossa própria realidade. O desejo de agradar ou de parecer “melhor” pode nos levar a negligenciar quem realmente somos e o que realmente sentimos. E quando a versão idealizada entra em conflito com o eu real, pode surgir um sentimento de vazio ou inadequação, como se nunca fôssemos “bons o suficiente” para corresponder à imagem que criamos.

A psicanálise nos convida a refletir sobre por que sentimos essa necessidade de idealização. Talvez, ao invés de buscar validação externa, possamos nos concentrar em construir uma relação mais autêntica conosco mesmos. As redes sociais não precisam ser um espaço de perfeição; elas podem ser um reflexo mais genuíno das complexidades e contradições que fazem parte de ser humano.


Referências


  • Freud, S. (1920). Beyond the Pleasure Principle. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.

  • Freud, S. (1914). On Narcissism: An Introduction. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.

  • Lacan, J. (1973). The Four Fundamental Concepts of Psychoanalysis.

  • Klein, M. (1946). Notes on Some Schizoid Mechanisms. International Journal of Psycho-Analysis.

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