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Foto do escritorDaniel Borelli

Por que somos tão obcecados por finais felizes?



Quem nunca se pegou torcendo por um final feliz? Seja em um filme, em um livro ou até nas histórias da vida real, parece que temos uma necessidade quase visceral de ver tudo se encaixar perfeitamente no final. Aquele “viveram felizes para sempre” é mais do que um desfecho comum — é uma promessa de que, no final das contas, o caos pode ser vencido pela ordem e o sofrimento pode ser substituído pela felicidade. Mas por que somos tão obcecados por finais felizes?

Acredita-se que essa necessidade de finais felizes está profundamente enraizada em nosso inconsciente, particularmente na maneira como lidamos com o prazer e a dor. Freud observou que, desde cedo, buscamos a satisfação dos nossos desejos e o alívio das tensões internas. Em um mundo onde a realidade muitas vezes não corresponde às nossas expectativas, o final feliz surge como uma maneira de compensar as frustrações que enfrentamos no dia a dia (Freud, 1920). Ele nos dá a esperança de que, não importa o que aconteça, tudo se resolverá no final.

A psicanálise nos ensina que essa obsessão por finais felizes também está relacionada ao nosso desejo de controle. A vida é cheia de incertezas e imprevistos. Muitas vezes, não conseguimos controlar o que acontece ao nosso redor, o que nos gera angústia. O final feliz é, de certa forma, uma forma de impor ordem sobre o caos. Ele nos dá a sensação de que o bem triunfa sobre o mal, que o amor vence as dificuldades e que, no fim, tudo ficará bem. É como se, ao assistir a um final feliz, estivéssemos reafirmando a nossa crença de que a vida, apesar de suas dificuldades, pode ser compreendida e resolvida (Freud, 1930).

Além disso, Freud acreditava que os finais felizes falam diretamente ao nosso desejo de realização pessoal. Desde a infância, formamos imagens idealizadas de como gostaríamos que a vida fosse — queremos ser amados, realizados, felizes. Os finais felizes que encontramos nas histórias espelham essas fantasias e nos dão a sensação de que esses desejos podem se concretizar. Quando vemos um personagem alcançar a felicidade, sentimos uma identificação, como se estivéssemos alcançando nosso próprio final feliz através dele (Freud, 1914).

Por outro lado, a psicanálise nos alerta sobre os perigos dessa obsessão. Ao nos fixarmos demais em finais felizes, corremos o risco de nos desconectarmos da realidade. A vida raramente é tão simples quanto as histórias que consumimos. Freud nos lembra que o sofrimento faz parte da experiência humana, e que tentar escapar dele, buscando apenas a felicidade constante, pode nos levar à frustração. A verdadeira maturidade emocional envolve aceitar que a vida é uma mistura de momentos bons e ruins, e que a felicidade não é um estado fixo ou garantido (Freud, 1923).

Além disso, a busca incessante por finais felizes pode nos fazer ignorar o valor das jornadas imperfeitas. Muitas vezes, estamos tão focados no “final feliz” que deixamos de apreciar o processo, as lições aprendidas e o crescimento que ocorre ao longo do caminho. Na vida real, não há um momento de “felizes para sempre”; há momentos de felicidade entrelaçados com desafios, e é essa complexidade que torna a experiência humana tão rica e única.

Em última análise, somos obcecados por finais felizes porque eles nos oferecem uma fuga do caos e da imprevisibilidade da vida. Eles nos dão esperança, uma sensação de controle e a ilusão de que, se nos esforçarmos o suficiente, tudo se encaixará perfeitamente. Mas a psicanálise nos convida a ir além dessa visão idealizada. Talvez, em vez de procurar um final feliz, devêssemos aprender a encontrar felicidade nos momentos imperfeitos e aceitar que o fim de uma história nunca é realmente o fim — apenas o começo de outra.


Referências


  • Freud, S. (1920). Beyond the Pleasure Principle. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.

  • Freud, S. (1914). On Narcissism: An Introduction. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.

  • Freud, S. (1923). The Ego and the Id. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.

  • Freud, S. (1930). Civilization and Its Discontents. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.

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