Todos nós já experimentamos a sensação desconfortável de quando as coisas não saem como planejamos. Marcamos um encontro, imaginamos como ele será, e então, de repente, tudo desmorona. O que sentimos é mais do que decepção; é um incômodo profundo, quase uma dor emocional. Mas por que ficamos tão abalados quando nossas expectativas são frustradas? Sob a ótica da psicanálise, esse incômodo vai muito além do que vemos na superfície — ele toca diretamente nossos desejos mais profundos e nossa relação com o controle.
Acredita-se que grande parte do sofrimento humano está relacionado ao conflito entre o que desejamos e o que a realidade nos oferece. Nosso inconsciente está sempre buscando o prazer e tentando evitar o sofrimento. As expectativas que criamos estão intimamente ligadas a esses desejos inconscientes. Quando imaginamos uma situação, estamos, na verdade, projetando uma ideia de como ela deveria ser, baseada na nossa busca por satisfação e bem-estar (Freud, 1920).
No entanto, a realidade raramente corresponde exatamente às nossas expectativas. Quando algo não sai como planejado, o que experimentamos não é apenas uma frustração momentânea, mas um tipo de “choque” emocional. É como se o nosso inconsciente, que estava preparado para receber o prazer prometido pela expectativa, fosse abruptamente confrontado com a realidade que não entregou o que prometeu. Esse choque mexe profundamente com nossas emoções, gerando ansiedade, raiva e tristeza (Freud, 1926).
Outro aspecto interessante é que as expectativas frustradas muitas vezes revelam algo mais profundo: nossa relação com o controle. Freud acreditava que os seres humanos têm uma necessidade de controlar o ambiente ao seu redor para se sentirem seguros. Quando criamos expectativas, estamos, de certa forma, tentando "controlar" o que vai acontecer. Antecipamos resultados, desenhamos cenários perfeitos em nossa mente, e, ao fazer isso, buscamos moldar a realidade ao nosso gosto. Quando a realidade não segue nosso roteiro, sentimos uma espécie de perda de controle, o que amplifica nosso desconforto (Freud, 1930).
Além disso, as expectativas frustradas também podem tocar em nossa autoestima. Quando o que desejamos não se concretiza, muitas vezes interpretamos isso como um reflexo de nossa própria inadequação. "O que fiz de errado?", nos perguntamos. Mesmo que o acontecimento esteja fora de nosso controle, a frustração pode fazer parecer que somos os culpados. O ego, essa parte de nós que tenta manter nossa imagem interna em equilíbrio, sofre uma pequena ferida cada vez que a realidade não corresponde ao que esperamos (Freud, 1923).
Na psicanálise, o que está em jogo aqui é mais do que o simples não obter o que queremos. O incômodo com expectativas frustradas é, na verdade, um reflexo do conflito entre nossos desejos internos, nosso desejo de controle e a inevitável imprevisibilidade da vida. Quando nossas expectativas são frustradas, somos confrontados com a realidade de que não podemos controlar tudo — um fato que Freud acreditava ser difícil de aceitar, mas fundamental para o crescimento emocional (Freud, 1911).
A solução? Aprender a lidar com a incerteza e a aceitar que a realidade não seguirá sempre nossos planos. A psicanálise sugere que, ao abrir mão de parte desse desejo de controle e aceitar a imperfeição da vida, podemos começar a lidar melhor com as frustrações. As expectativas continuarão a existir, mas talvez possamos nos sentir menos incomodados quando a realidade tomar um rumo diferente.
Referências
Freud, S. (1920). Beyond the Pleasure Principle. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.
Freud, S. (1926). Inhibitions, Symptoms and Anxiety. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.
Freud, S. (1930). Civilization and Its Discontents. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.
Freud, S. (1923). The Ego and the Id. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.
Freud, S. (1911). Formulations on the Two Principles of Mental Functioning. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.
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