
Quando ouvimos a palavra "superar" em relação a um trauma, muitos de nós imaginamos que isso significa deixar para trás o que aconteceu, esquecer a dor e seguir em frente como se nada tivesse ocorrido. No entanto, a realidade é bem diferente. Sob uma perspectiva psicanalítica, superar um trauma não significa apagar a experiência, mas sim aprender a conviver com ela, transformando essa dor em algo que não nos paralise ou defina completamente.
A psicanálise acredita que os traumas marcam profundamente nossa vida emocional. Quando algo doloroso nos acontece, nossa mente tende a criar maneiras de nos proteger dessa dor intensa. O trauma, então, se instala como uma experiência que não foi completamente compreendida ou digerida. Ao longo do tempo, ele pode voltar à tona, influenciando nossos sentimentos e comportamentos, muitas vezes de maneira que não entendemos completamente (Freud, 1920).
Superar um trauma, portanto, não significa esquecer ou enterrar a experiência, mas sim encontrar um espaço seguro dentro de nós para processar o que aconteceu. É como aprender a olhar para uma cicatriz: ela não desaparece, mas aos poucos deixa de doer e passa a ser apenas uma marca, um sinal de algo que vivemos. Para Freud, o processo de superação envolve trazer o trauma para a consciência, entender como ele impacta nossa vida e, aos poucos, aceitar que faz parte da nossa história, sem deixar que ele defina toda a nossa existência (Freud, 1914).
Muitas vezes, o trauma faz com que nos sintamos desamparados ou fora de controle. Esse sentimento de vulnerabilidade pode nos acompanhar durante anos, até que encontremos maneiras de reconstruir nosso senso de segurança e poder sobre nossa própria vida. Superar, então, envolve também esse reencontro com a nossa força interior — a capacidade de seguir em frente apesar da dor. Freud acreditava que, ao processar as emoções relacionadas ao trauma, aprendemos a nos reconectar com essa força e a redescobrir que somos mais do que nossa dor (Freud, 1930).
Além disso, superar um trauma envolve, muitas vezes, a capacidade de encontrar um novo significado para o que aconteceu. Não se trata de justificar ou minimizar a dor, mas de buscar uma nova perspectiva que nos permita crescer e nos transformar. Freud sugeria que, ao dar um novo sentido à nossa experiência, encontramos uma maneira de integrar o trauma à nossa vida sem que ele se torne uma barreira intransponível. Esse processo de transformação é essencial para seguir em frente (Freud, 1915).
Portanto, superar um trauma não é apagar ou negar o que aconteceu. É, na verdade, um processo de acolhimento e compreensão. Envolve aprender a viver com as cicatrizes emocionais, reconhecendo que elas fazem parte de quem somos, mas não definem tudo o que seremos. Superar é um processo de aceitação e transformação, em que, ao nos depararmos com a dor, encontramos também o caminho para a cura e o crescimento.
Referências
Freud, S. (1920). Beyond the Pleasure Principle. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.
Freud, S. (1914). On Narcissism: An Introduction. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.
Freud, S. (1915). Instincts and Their Vicissitudes. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.
Freud, S. (1930). Civilization and Its Discontents. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.
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