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Foto do escritorDaniel Borelli

O Fascínio por “Começos de Ano” e “Novos Ciclos”: Por Que Temos Tanto Desejo de Recomeçar?



Quando o calendário vira e o ano novo se aproxima, muitos de nós somos tomados por um sentimento de renovação. Fazemos listas, traçamos metas, nos prometemos que, desta vez, tudo será diferente. A sensação de um novo ciclo tem um efeito poderoso sobre nós, como se o simples ato de começar um novo ano fosse uma oportunidade para deixar para trás o que nos incomoda e abraçar novas possibilidades. Mas, sob uma perspectiva psicanalítica, o que explica essa vontade de recomeçar a cada ciclo?

Há muito tempo acredita-se que os seres humanos têm uma necessidade de organizar o tempo e a vida em fases. Isso nos ajuda a criar uma sensação de ordem no caos da realidade. Quando encaramos o início de um novo ano, por exemplo, nossa mente percebe isso como uma chance de “renovar” não apenas o calendário, mas também as próprias experiências emocionais e internas. O recomeço se torna uma maneira simbólica de deixar para trás o que não gostamos e projetar um futuro onde nossos desejos possam se realizar (Freud, 1920).

Essa busca pelo novo, na verdade, está profundamente ligada ao nosso desejo de mudança e transformação. Nosso inconsciente guarda muitas memórias e emoções que, ao longo do tempo, nos pesam, e o início de um ciclo é uma oportunidade de aliviar essa carga. É como se estivéssemos, a cada novo ano, buscando uma espécie de “limpeza”. Assim como gostamos de arrumar a casa, a mente vê esses novos começos como uma oportunidade para reorganizar e refrescar o que está guardado internamente (Freud, 1915).

O fascínio pelos novos ciclos também pode ser explicado pelo que Freud chamou de busca pelo prazer e pela satisfação. Quando o ano se encerra, nossas falhas, dificuldades e arrependimentos tendem a surgir na memória. Esses pensamentos podem nos frustrar, pois lembram das coisas que não alcançamos. O início de um novo ciclo, no entanto, representa uma página em branco — uma chance de corrigir os erros do passado e buscar novamente o que tanto desejamos. Esse recomeço é uma maneira de projetar uma versão ideal de nós mesmos, uma versão que ainda não cometeu erros e está pronta para perseguir os próprios sonhos (Freud, 1930).

Outro aspecto interessante é que o desejo de recomeçar está ligado ao medo da estagnação. O ser humano tem uma necessidade constante de evoluir e crescer. Quando sentimos que a vida está “parada” ou que não estamos avançando, surge uma ansiedade. O início de um novo ciclo nos ajuda a lidar com essa ansiedade, oferecendo a ilusão de que o passado ficou para trás e que o presente está cheio de novas oportunidades para nos reinventarmos (Freud, 1923).

Ao final de cada ano, olhamos para trás e avaliamos nossos acertos e tropeços, e é natural que surja a vontade de fazer diferente. Esse é o verdadeiro poder dos novos ciclos: eles nos permitem sonhar, reavaliar e, principalmente, nos dão um ponto de partida para sermos melhores, mais conscientes e mais próximos daquilo que desejamos ser.

A psicanálise nos ensina que o recomeço é um desejo profundo de renovação, algo que nos mantém motivados e leves para enfrentar a complexidade da vida. O novo ano, então, é mais do que uma data no calendário, ele simboliza a possibilidade de nos reinventarmos.


Referências


  • Freud, S. (1920). Beyond the Pleasure Principle. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.

  • Freud, S. (1915). Instincts and Their Vicissitudes. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.

  • Freud, S. (1923). The Ego and the Id. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.

  • Freud, S. (1930). Civilization and Its Discontents. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.

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