A ideia de “ter um propósito” é frequentemente vendida como o caminho definitivo para a realização pessoal e a felicidade. Seja nas redes sociais, em livros de autoajuda ou nas conversas do dia a dia, a busca por um propósito de vida se tornou quase um mantra moderno. E, de fato, ter algo que nos motive, uma razão para acordar todos os dias, pode ser extremamente inspirador. No entanto, sob a perspectiva psicanalítica, essa busca também pode se tornar opressiva, especialmente quando o propósito é idealizado como uma obrigação ou uma resposta a todas as nossas angústias internas.
Sigmund Freud, o pai da psicanálise, sempre acreditou que os desejos inconscientes desempenham um papel importante na vida de todos. No caso da busca por um propósito, podemos pensar que ele representa um desejo de preencher algum vazio ou de dar sentido às nossas experiências. Para Freud, a busca por sentido é, em parte, uma maneira de lidar com as incertezas e angústias da existência humana (Freud, 1930). Quando encontramos algo que parece dar forma à nossa vida, é como se tivéssemos encontrado uma bússola emocional que nos guia através do caos da realidade.
A ideia de propósito, portanto, tem um poder inspirador. Ela nos dá direção, nos motiva a perseguir algo maior do que nós mesmos e oferece uma sensação de significado que ajuda a organizar nossas ações e escolhas. Ao sentir que estamos vivendo com um propósito, muitas vezes sentimos também que estamos no controle, que nossa vida tem uma narrativa clara e um destino a ser alcançado. Isso pode trazer uma paz interna, uma satisfação que nos preenche emocionalmente (Freud, 1920).
No entanto, essa mesma busca pode se tornar opressiva, especialmente quando é carregada de expectativas exageradas. A sociedade moderna frequentemente coloca uma enorme pressão sobre o indivíduo para “encontrar seu propósito” como se ele fosse uma chave mágica para a felicidade completa. Para Freud, essa pressão externa pode gerar uma espécie de conflito interno, onde o indivíduo começa a sentir que, se não encontrou seu propósito, de alguma forma está falhando (Freud, 1914). Nesse sentido, a busca pelo propósito pode se transformar em uma fonte de ansiedade, ao invés de inspiração.
A ideia de que precisamos encontrar um propósito claro e definitivo para nossas vidas pode nos deixar aprisionados em uma constante busca por algo que talvez seja inatingível. À medida que essa pressão se acumula, podemos começar a nos sentir inadequados, comparando nossa jornada com a de outros e nos perguntando por que ainda não encontramos “nosso lugar” no mundo. Esse sentimento de inadequação pode nos levar a uma angústia profunda, pois, ao tentar alcançar um ideal tão elevado, muitas vezes perdemos de vista a beleza das pequenas realizações cotidianas (Freud, 1923).
Além disso, a busca incessante por um propósito muitas vezes está ligada à necessidade de validação externa. Queremos que o nosso propósito seja reconhecido, que faça sentido para os outros, e que nos dê a sensação de pertencimento a algo maior. No entanto, essa busca por reconhecimento externo pode nos desconectar das nossas próprias necessidades e desejos. Freud alertava sobre esse risco: quando nos preocupamos demais com o que os outros esperam de nós, perdemos a capacidade de ouvir nossos próprios desejos genuínos (Freud, 1920).
Portanto, a ideia de "ter um propósito" é ao mesmo tempo inspiradora e opressiva. Ela pode nos guiar em momentos de incerteza e nos dar uma sensação de significado. Mas, quando transformada em uma obrigação inescapável, pode nos aprisionar em uma busca interminável e geradora de angústia. Talvez, a chave para lidar com essa dualidade seja aceitar que o propósito não precisa ser algo fixo ou grandioso.
Referências
Freud, S. (1920). Beyond the Pleasure Principle. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.
Freud, S. (1914). On Narcissism: An Introduction. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.
Freud, S. (1923). The Ego and the Id. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.
Freud, S. (1930). Civilization and Its Discontents. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.
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